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sexta-feira, 4 de outubro de 2024

Descoberta da ilha de Santa Maria Açores

 


Embora em termos de historiografia se admita hoje a data do descobrimento do arquipélago dos Açores por Diogo de Silves em 1427,  o cronista Diogo Gomes de Sintra em 1460 referiu a ilha simplesmente como Ilha de Gonçalo Velho:

"A mais chegada ylha dos Açores se chama Sancta Maria he ylha pequena e redonda. E tem huas baixas quasi em meo que se chamõ as Formigas por q sõ oyto bicos penedos sobre agoa.


Jaz esta ylha norte sull cõ a ylha de Sã Miguel e ha no traues 12 legoas e as Formigas quasi no meo.


Anno de 1444 mãdou ho Iffãte Dom Anrrique por capitã huu caualleyro chamado Gonçalo Velho comêdador da Ordê de Christus a pouorar esta ylha e outras, e pos a esta seu nome. s. ylha de Gonçalo Velho e despois da sua morte lhe poserõ nome ylha de Sancta Maria. Este capitã lançou nella porcos e vacas e ouelhas e cabras. E viueo nesta ylha alguns ãnos."


Frutuoso, posteriormente, confirma que, no Verão de 1431 Gonçalo Velho Cabral terá descoberto os ilhéus das Formigas:



"Pelas informações e notícia que o Infante D. Henrique tinha destas ilhas dos Açores, (...) no ano do Senhor de mil e quatrocentos e trinta e um, (...) tendo o dito Infante em sua casa um nobre fidalgo e esforçado cavaleiro, chamado Frei Gonçalo Velho das Pias, comendador do castelo de Almourol, que está sobre o Rio Tejo, arriba da vila de Tancos, de quem, por sua virtude, grande esforço e prudência, tinha muita confiança, o mandou descobrir destas ilhas dos Açores a ilha de Santa Maria, ou, porventura, também esta de São Miguel; o qual, aparelhando o navio com as coisas necessárias para sua viagem, partiu no dito ano da vila de Sagres e, navegando com próspero vento para o Ocidente, depois de passados alguns dias de navegação, teve vista de uns penedos que estão sobre o mar e se vêem da ilha de Santa Maria, e de uns marulhos que fazem outros que estão ali perto, debaixo do mar, chamados agora todos Formigas, nome imposto por ele, ou por serem pequenos como formigas, em comparação das ilhas, ou porque ferve ali o mar, como as formigas fervem na obra que fazem; (...).



Vindo a estas Formigas Frei Gonçalo Velho no novo descobrimento (...), não achando ilha frutuosa e fresca, senão estériles e feios penedos, e, em lugar de terras altas e seguras, vendo somente baixas pedras, tão baixas e perigosas, cuidando e suspeitando ele e os da sua companhia que o Infante seu senhor se enganara, julgando aquela pobre penedia por uma rica ilha, não entendendo todos eles com esta suspeita que havia mais que descobrir, se tornaram desgostosos ao Algarve, donde partiram, sem mais ver outra coisa que terra parecesse, e dando esta nova ao Infante D. Henrique, juntamente dizendo seu parecer, que não havia por este mar outras terras senão aquelas duras pedras que nele somente acharam."



O cronista prossegue, narrando a descoberta da ilha de Santa Mariano (1432) e referindo a de São Miguel (1444):


"Como na alta mente do Infante estava posta e entendida outra coisa (...) no ano seguinte tornou, com rogos e com promessas (como alguns dizem), a mandar o mesmo Frei Gonçalo Velho a descobrir o que dantes não achara, dando-lhe por regimento que passasse avante das Formigas. O qual Gonçalo Velho, tornando a fazer esta viagem, (...) houve vista da ilha em dia da Assunção de Nossa Senhora, quinze dias de Agosto do ano do Senhor, uns dizem de 1430, outros de 1458. Mas isto não pode ser, porque commumente se disse e afirmou sempre, e assim se acha em algumas lembranças de homens graves desta ilha de São Miguel, que foi achada depois da ilha de Santa Maria ser descoberta doze anos, e se achou na era de 1444, como depois direi tratando dela; pois se esta ilha de São Miguel se achou nesta era de 444 e a ilha de Santa Maria foi achada primeiro que ela doze anos, como todos dizem, e nunca caiu isto da memória dos homens, quem de 1444 tira doze ficam 1432, que é o ano em que se achou a ilha de Santa Maria."

O arranque oficial da colonização do arquipélago foi determinado por carta régia de D. Pedro (regente durante a menoridade de D. Afonso V) passada em 2 de Julho de 1439, ao mesmo Gonçalo Velho, que deveria povoar as sete ilhas então conhecidas, onde já anteriormente mandara lançar gado:



"A quantos esta carta virem fazemos saber que o infante D. Henrique, meu tio, nos enviou dizer que ele mandara lançar ovelhas nas sete ilhas dos Açores e que, se nos aprouvesse, que as mandaria povoar. E porque a nós isso apraz, lhe damos lugar e licença que as mande povoar."


O povoamento iniciou-se naquele mesmo ano pela ilha de Santa Maria, seguida pela de São Miguel. Para incentivá-lo, a carta de 5 de Abril de 1443 concedeu a Gonçalo Velho, comendador do arquipélago, e aos moradores e povoadores das ilhas a isenção do pagamento da dízima e portagens "de todas as coisas que delas trouxerem ao reino".



Quanto ao local do primeiro estabelecimento, terá sido o do desembarque inicial pelos descobridores, erguendo-se a primeira casa e iniciando-se a lavoura de trigo:


"Como entraram, e a primeira terra que tomaram, onde saíram, foi, da banda de Oeste, em uma curta praia de uma abra que se faz antre a ponta da terra, que se chama a Praia dos Lobos, e outra ponta, que se chama o Cabrestante, onde vai sair ao mar uma pequena ribeira que corre todo o ano, chamada a ribeira do Capitão, por correr pelas suas terras, que naquela parte depois tomou para si, que são a Faneca, Monte Gordo, Flor da Rosa, Paúl, Roça das Canas, donde nasce aquela ribeira que vai ter ali ao mar, junto do Cabrestante; onde se fez pelo tempo adiante o primeiro coval [sementeira], junto da mesma ribeira, em uma pedra mole, como tufo, e amarela, como barro, que se corta à enxada, a que chamam saibro, no qual saibro, onde quer que o há na ilha, se dá o melhor vinho dela; onde se encovou o primeiro trigo que deu a terra.


(...) Assim que os primeiros que saíram em terra, ali junto do mar, ao longo daquela ribeira do Capitão, ou desta vez, ou da segunda, fizeram a primeira casa que na ilha se fez, e, depois, pelo tempo adiante fizeram outras pela ribeira acima, e esta foi a primeira povoação da ilha, e por isso escolheu depois ali o Capitão suas terras, que são as melhores da ilha, e dão mais e melhor fruto e trigo, quase como o de Alentejo, quando o ano é temperado e bom."



Por outro lado, Frei Agostinho de Monte Alverne refere que o desembarque dos descobridores se deu pela ponta do Marvão, a pequena distância da atual Vila do Porto: "Descoberta esta ilha, entraram pela ponta do Marvão; a mandou povoar logo o Infante, com gente e gado."



O padre António Cordeiro, com base em Frutuoso, a seu turno, narra:


"O descubridor, & Commendador Frey Gonçalo Velho Cabral desembarcou na Ilha pela parte de Oeste, em huma pequena praya, que chamàrao dos Lobos, por o parecerem assim as pontas de tal praya; & aque se fundou depois a primeyra povoação, junto a uma ribeyra que todo o anno corre: logo foy o Commendador correndo a Ilha toda à roda, parte por terra, & parte por mar, por a madeyra da terra não dar lugar a mais; (...)"



Na primeira povoação terá sido erguida ainda uma igreja cuja invocação a tradição não guardou. Com os povoadores vieram frades franciscanos que, já em 1446 tinham um pequeno oratório com observância, obtendo licença da Santa Sé Apostólica por bula do papa Nicolau V, de 28 de abril de 1450. Dos nomes desses primitivos povoadores guardaram-se os de Gonçalo Anes de Semadença, Nuno Velho e Pedro Velho (sobrinhos de Gonçalo Velho e filhos de Diogo Gonçalves de Travassos e de D. Maria Álvares Cabral, irmã do descobridor), Pedro Álvares de Sernache (filho ou neto de Álvaro Anes de Sernache?), Estevão Lopes, e mestre António Catalão, pai de Genes e de Francisco Curvelo Catalão, que veio para as ilhas ensinar o cultivo e a indústria das canas de açúcar.



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