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sábado, 21 de outubro de 2023

Slavonia, o paquete inglês que naufragou com a ilha das Flores nos Açores à vista

 


O navio lançado à água em 1902 foi inicialmente baptizado Yamuna e pertenceu à British Indian Steam Navigation, tendo transportado correio, carga e passageiros entre Inglaterra e Índia. Cinco meses após a viagem inaugural foi vendido à Cunard, que o remodelou e lhe mudou o nome, adoptando o topónimo de uma das regiões de onde partiam mais emigrantes europeus com destino aos EUA, a Eslavónia, na Croácia.


“E foi assim  que, juntamente com um seu congénere, o Pannonia, o transatlântico Slavonia passou a transportar, à ida, emigrantes europeus em busca do sonho americano e à volta os passageiros endinheirados de Nova Iorque para Liverpool”, descreve o arqueólogo subaquático Alexandre Monteiro, num documento sobre a história do naufrágio ocorrido ao largo da ilha das Flores, em 1909


No início do século XX, a Cunard Steamship Company disputava o monopólio das rotas europeias e norte-americanas com a White Star Line. Os paquetes distinguiam-se pelos nomes: todos os da White Star tinham nomes acabados em “ic” — como Britannic e Titanic — e os da Cunard terminavam em “ia”. O naufrágio do Titanic, três anos depois do Slavonia, condenou a proprietária à quase falência e em 1934 a Cunard comprou a rival. Nascia assim a Cunard White Star Line, dona do Queen Mary e dos Queen Elizabeth, que ainda hoje cruzam os oceanos.



Nevoeiro fatal

Numa das viagens do Slavonia, que viria a ser a última, o paquete partiu de Nova Iorque a 3 de Junho, uma quinta-feira, rumo a Trieste, no nordeste de Itália. Segundo Alexandre Monteiro, o cruzeiro levava 178 tripulantes e 597 passageiros, dos quais perto de cem viajavam em primeira classe. Foi destes que partiu a ideia de pedir ao comandante que fizesse um pequeno desvio na rota (estava previsto que passassem a 160 quilómetros a norte da ilha do Corvo), para que pudessem apreciar melhor as paisagens açorianas.


Estavam há seis dias em alto mar, faltavam dez para o destino. O comandante, Arthur Dunning, com três décadas de experiência (tinha pedido a reforma em Nova Iorque, antes de partir), fez-lhes a vontade: decidiu navegar pelo sul da ilha das Flores, passando a cerca de seis milhas náuticas de terra, e só depois seguir a viagem prevista.


Mas quando o navio se aproximou da ilha havia um nevoeiro cerrado e a forte corrente marítima desviou o paquete da rota. Nem o Farol das Lajes das Flores ajudou — apesar de praticamente concluído ainda lhe faltavam máquinas e a lanterna. Às 2h30 da madrugada de 10 de Junho cumpriu-se o desejo dos passageiros de ver terra mas nada pôde travar o acidente — o RMS Slavonia embateu nos rochedos da Baixa Rasa e galgou a costa do Lajedo. Com a água a invadir os porões do barco mas ainda com a popa emersa e as varandas iluminadas, o telegrafista teve tempo para fazer história: foi o primeiro a transmitir, em código Morse, sinais de SOS.


Slavonia, o paquete inglês que naufragou com as Flores à vistaO pedido de socorro foi captado pelo paquete germânico Prinzess Irene e pelo navio Batavia, que se encontravam perto e acorreram ao local, ajudando os tripulantes a desembarcar e, no dia seguinte, a continuar a viagem. O acidente abalou a pacatez da ilha, imersa na escuridão àquelas horas da noite (a luz eléctrica só chegou a Lajes das Flores na década de 1930), mas a população fez o que pôde para ajudar ao resgate. O esforço foi reconhecido pelo Papa Pio X que, em sinal de gratidão, ofereceu um cálice de prata à Igreja Matriz.


Ao amanhecer, a água chegou às caldeiras do Slavonia e às 8h o fogo apagou-se nas fornalhas. O navio, com mais de dez mil toneladas e 160 metros de comprimento, afundou, tornando-se uma das perto de mil embarcações que naufragaram ao largo dos Açores, desde o século XVI, assinaladas na Carta Arqueológica. “O comandante Dunning abalado pelo naufrágio e pelas circunstâncias caricatas em que este tinha ocorrido, tentou suicidar-se várias vezes, no que foi impedido pelo telegrafista”, conta Alexandre Monteiro.

( Cortesia do jornal Público )




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