Foi a 28 de outubro de 1949.
Por volta das quatro horas de uma madrugada de nevoeiro, depois de duas falhadas tentativas para aterrar no aeroporto da ilha de Santa Maria, um avião Lockheed Constellation da Air France, que fazia a ligação Paris-New York, esmagou-se no Pico da Vara (1.105 metros), concelho do Nordeste.
O enorme estrondo acordou os moradores das freguesias de Santo António Nordestinho, Algarvia e Santana, onde ainda há quem recorde essa noite e os agitados dias que se seguiram.
Muitos populares subiram a serra a pé, pelos estreitos trilhos, até ao local do acidente. Não sobreviveu nenhum dos 48 ocupantes do avião.
Havia corpos por todo o lado e a desgraça foi aproveitada por alguns. Constou na altura que o avião transportava muitos relógios de pulso e haverá pessoas que ainda conservam alguns desses relógios.
Houve também quem cortasse dedos das vítimas para se apoderar de anéis, pilhagem que levou as autoridades francesas a apelidarem os habitantes da ilha de “piratas de pé descalço” e originou um incidente diplomático entre a França e Portugal, motivando a deslocação de polícias franceses aos Açores para revistarem casas e fazerem apreensões.
Mas a grande maioria das pessoas subiu ao Pico da Vara por razões humanitárias. Populares e soldados idos de Ponta Delgada carregaram os cadáveres em panos de tenda até ao adro da igreja na Algarvia, onde foram metidos nos caixões para o regresso a França.
As vítimas eram sobretudo anónimos homens de negócios, mas a bordo seguiam três celebridades: o pugilista Marcel Cerdan, 33 anos, a violinista Ginette Nevau, 30 anos, e o irmão pianista, Jean Paul Nevau, e o pintor Bernard Boulet de Monvel.
A revelação do rolo de uma fotográfica encontrada entre os despojos mostrou uma fotografia tirada durante o voo por Cerdan, Jean Paul e Ginette abraçada ao seu Stradivarius, mas do violino apenas foi encontrado o arco.
Marcel Cerdan, ex-campeão mundial dos médios, dirigia-se a New York para se encontrar com a amante, a cantora Edith Piaf, e treinar para um combate desforra com o americano Jack LaMotta, que teria lugar no Madison Square Garden.
As vidas do pugilista e da maior cantora francesa de todos os tempos tinham-se cruzado num restaurante francês de New York em 28 de março de 1947 depois de Cerdan ter conquistado o título mundial dos médios ao vencer Harold Granger por KO técnico no Madison Square Garden e foi uma paixão fulminante apesar dele ser casado e ter três filhos.
Edith Giovanna Gassion, era este o verdadeiro nome de Piaf, contava ao tempo 32 anos de idade e estava no auge de uma fabulosa carreira e de uma vida singularmente trágica.
Nasceu a 19 de dezembro de 1915 numa rua de Paris, filha de uma cantora e um acrobata que atuavam pelas ruas e ambos alcoólicos.
Foi criada pela avó paterna que tinha um prostíbulo e eram as prostitutas que cuidavam dela.
Tornou-se cantora como a mãe e cresceu a atuar com o pai pelas ruas. Em 1938, estreou-se num cabaret de Paris e triunfou de imediato.
Cantava e escrevia, e o primeiro grande sucesso de Piaf foi La Vie en Rose com letra de sua autoria e música de Louiguy, gravada em 1946. Foi gravada por inúmeros artistas nos EUA, entre outros por Bing Crosby, Tony Martin, Paul Weston, Dean Martin, Tony Bennett e Louis Armstrong.
O sucesso de La Vie en Rose trouxe Piaf a New York pela primeira vez em 1947 para atuar num night club da Rua 42, em Manhattan, chamado precisamente La Vie en Rose e onde Amália se apresentou pela primeira vez nos EUA em 1952, durante 14 semanas.
O romance de Piaf e Cerdan escandalizou muitos franceses, ela era a voz e ele os punhos da França do pós guerra.
Piaf já tivera (e viria a ter) uns quantos “queridos” célebres, entre outros Yves Montand, Charles Aznavour, Gilbert Becaud, George Moustaki, Eddie Constantine e até um jovem ator chamado Marlon Brando. Mas Cerdan foi o seu grande amor e, em outubro de 1949, Piaf telefonou ao amado para que a viesse ver e Cerdan partiu para a morte nos Açores. Piaf recebeu a notícia do desastre horas antes de atuar. Não cancelou o espectáculo, mas no final da quinta canção desmaiou no palco. Nessa noite, em homenagem a Cerdan, Piaf dedicou-lhe uma das suas mais belas canções, Hymne à L’Amour, que ela compusera com Marguerite Monnot e que cantara pela primeira vez no La Vie en Rose. A canção ficou como um momento sublime da paixão vivida pela cantora e o pugilista e, até à sua morte, a 10 de outubro de 1963, com 47 anos, sempre que cantou Hymne à L’Amour em público, Edith Piaf dedicava a canção a Marcel.
por Eurico Mendes, nos EUA *
( Cortesia ao Diário dos Açores )
Parabéns pelo belíssimo trabalho, está TOP 👏👏👏👏, parabéns 👍👍
ResponderEliminarSou da Povoação, e meu avô contava-me esta história quando era uma criança.
ResponderEliminarDizia-me que até na Povoação se ouviu esse desastre.
Ainda hoje se fala desse acidente