Eram numerosos os cristãos-novos portugueses
que se movimentavam da Metrópole para as colónias, mercadejando ou simplesmente
imigrando para lugares mais seguros para as suas famílias, e as ilhas atlânticas
não foram excepções. Os judeus portugueses estiveram, como já disseram alguns
historiadores, em todos os poros da colonização portuguesa. Eu diria que eles
trilharam por todos os cantos do planeta, e ainda hoje são encontrados seus
vestígios nos mais distantes ou diferentes países. Sem contar as colónias do
Caribe, as Índias de Castela, a América do Norte e as colónias africanas. Os
próprios judeus açorianos estão presentes em todo lado. Vem para o Brasil no
final do século XVII o cristão-novo Pedro Fernandes de Mello, comerciante da
Ilha de São Miguel. Com o perdão de 1605, muitos se aproveitam para saírem de
Portugal, indo muitos para a Holanda. Entretanto em 16l8, chega à Ilha Terceira
um barco com 40 judeus portugueses provenientes da Holanda, entre eles António
Rodrigues Pardo. De São Miguel, chega ao Rio de Janeiro o mercador judeu Manuel
Homem de Carvalho, da família Homem de Almeida que teve como mártir em Coimbra
o Dr. António Homem, líder religioso dos judaizantes. Manuel confessou ter retornado
ao Judaísmo na Holanda onde havia estado. Um pouco antes de 1600, vêm para a
Bahia os cristãos-novos terceirenses António Rodrigues Pardo e Pero Garcia. Em
1592, o Pe. Jerônimo Teixeira Cabral, comissário da Inquisição nos Açores,
denuncia a infiltração de cristãos-novos na Igreja como clérigos. Muitos
partidários de D. António Prior do Crato, pretendente ao trono português, e de
etnia hebraica, são expulsos da Ilha por Filipe II da Espanha, então detentor
das duas coroas Ibéricas, que fugiram para os Países Baixos e para o Brasil.
Entre eles, Manuel Serrão Botelho, que chega ao Brasil logo após 1582. Um
contratador dos Açores foi o cristão-novo Miguel Gomes Bravo, natural do Porto
que nomeou como arrendatário o cristão-novo Francisco Bocarro. Miguel veio para
o Brasil em 1585, e em 16l0 vai morar no Rio de Janeiro. Era casado com Isabel
Pedrosa de Gouveia, tendo grande descendência. Álvaro Fernandes Teixeira,
natural da Ilha Terceira, cristão-novo casado com Maria de Azevedo, filha do
cristão-novo Diogo Cristóvão, do Porto, e seus parentes vieram residir no Rio
de Janeiro no século XVII. Da ilha de São Miguel, vem residir na mesma cidade o
cristão-novo Pedro Fernandes de Mello, casado com a congénere Ana Garcia de
origem espanhola. Diogo Teixeira de Azevedo, cristão-novo nascido no Rio de
Janeiro e filho do casal da Ilha Terceira, Álvaro Fernandes Teixeira e Maria de
Azevedo, foi preso pela Inquisição e saiu em Auto-de-Fé em Lisboa em 5 de Abril
de 1620, condenado a hábito penitencial e cárcere a arbítrio terminou solto em
Junho daquele mesmo ano .
Nos primórdios da colonização
O Arquipélago dos Açores formado pelas nove
ilhas, São Miguel, Terceira, Faial, São Jorge, Santa Maria, Pico, Flores,
Graciosa e Corvo, descoberto pelo navegador Diogo de Silves em 1427, e depois
povoado pelo frei Gonçalo Velho Cabral com portugueses do continente, seguidos
por famílias flamengas (belgas e holandesas), francesas, inglesas e de outras
minorias étnicas, foi abrigo, também, dos cristãos-novos fugitivos da
Inquisição. A presença judaica nos Açores é anotada pelo grande historiador, de
origem judaica, Alexandre Herculano, em sua monumental obra "História da
Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal" à página 80 do volume
I, como fato ocorrido em 1501: "uma caravela lotada de cristãos-novos, que
saíra de Portugal para a África, batida pelos temporais arribou aos Açores, e
os infelizes passageiros, presos aí e condenados depois a serem escravos, foram
dados de presente por El Rey a Vasqueanes Corte-Real". O historiador
Alfredo da Silva Sampaio também cita o mesmo naufrágio na Ilha Terceira, diz
ele: "em 1501 aportaram a Ilha Terceira náufragos hebraicos fugindo à
perseguição". Em Angra do Heroísmo, na Ilha Terceira, há uma freguesia
denominada Porto Judeu, cujo nome é explicado pelos moradores que, em épocas
passadas, o mar estava bravio e então, passaram a chamar o lugar de
"judeu". Mas esta explicação e este significado, embora usado por
pescadores de origem açoriana em Santa Catarina, não convence. Aquela
localidade pode ter sido o local onde tantos cristãos-novos desembarcaram como
náufragos ou não. O navio citado por Herculano e Sampaio não é o único citado
em documentação. Outro barco é mencionado na "Carta de Gaspar Dias de Landim,
a El Rey, sobre a prisão de indivíduos que fugiam à Inquisição, de 19 de
Novembro de 1548", onde descreve: "Senhor – Eu tenho escrito a V.A.
como há muitos dias estou neste porto esperando Pero Vaz de Sequeira, pêra me
passar aos lugares a fazer os pagamentos, como me V.A. manda," e em
seguida cita "...a dez de Novembro tomou a justiça desta vila ( Santa
Maria) na barra embarcados em hua nao, dezanove omens em que yão molheres e
moços, os quais yãm na via de Veneza; acharão-lhe pouquo dinheiro, comtia de
dozentos cruzados e algum fato (roupa);são de Lixboa, çapateiros, e tudo um
casal de filhos e gemros, ficam presos por parte da santa Imquisição. O Senhor
Deos acrecente a vida e real estado de V.A.; do porto de Santa Maria ( Açores)
a XIX ( 19) de Novembro de 548 (1548) – Gaspar Dias de Landim – sobre scripto –
A elrey nosso senhor". (Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Corpo
Cronológico, Parte 1ª, maço 81 n° 85).
A acção inquisitorial nos Açores
Em 1592, o Inquisidor nos Açores Pe. Jerónimo
Teixeira Cabral, denuncia a infiltração de cristãos-novos na Igreja como
clérigos. A primeira ação inquisitorial nos Açores foi em 1555, quando o bispo
de Angra, D. Frei Jorge de Santiago mandou verificar vários casos de Judaísmo,
mandando prender alguns homens e enviá-los para Lisboa. Dois anos após foram
enviadas para Lisboa 22 pessoas acusadas de práticas judaicas. São elas: Ana
Lopes; André Moniz; António Fernandes; Branca Dias, Cecília Rodrigues, Diogo
Lopes; Fernão Lobo; Francisco Lopes; Mestre Gabriel; Gabriel de Andrade;
Henrique Ribeiro; Inês Dias; Isabel Mendes; Isabel Moniz; Isabel Pinta; João
Tomás; Jorge Álvares; Manuel Álvares; Rui Dias; Rui Fernandes e Violante
Henriques. Logo seguiram para a capital da Metrópole: Pero Galvão; Antonio
Carvalhais; Jácome Gonçalves e Maria Dias. Já em 1608 começava a ser montada a
rede de funcionários inquisitoriais. Iniciando pelos Comissários do Santo
Ofício, e logo em 1612 a dos Familiares (os esbirros mais infames). Entretanto,
desde 1597, já actuava como Comissário da Inquisição em Ponta Delgada o pe.
Luís Pinheiro, reitor da residência da Companhia de Jesus e, como primeiro
Familiar, o tanoeiro Pero Fernandes, residente em Ponta Delgada. E, em Angra,
actuava como Comissário o Pe. Francisco Valente, reitor do Colégio Jesuíta.
Para a Ilha do Faial, somente em 1749 foi nomeado Comissário o frei José de
Santo António de Pádua. Existiram comissários do Santo Ofício no arquipélago
açoriano até 1806 quando, então, perseguiam os franco-maçons. Outros burocratas
da Inquisição eram os Notários, os Qualificadores e os Visitadores das Naus.
Havia também o trabalho de redução de estrangeiros, que procuravam converter
para o catolicismo como foi o caso da família inglesa Fisher, residente no
arquipélago. A primeira Visitação ao arquipélago foi a de D. Marcos Teixeira
entre 1575-1576, o mesmo que esteve no Nordeste do Brasil. Ele visitou as ilhas
de São Miguel, Terceira e Faial. A segunda foi em 1592, feita por D. Jerônimo
Teixeira Cabral, tendo visitado as ilhas Terceira e São Miguel. Já a terceira e
derradeira visita, foi realizada entre 1619-1620, por D. Francisco Cardoso do
Torneio, que esteve nas ilhas de São Miguel e Terceira. Do total de 354 pessoas
denunciadas, 172 foram por Judaísmo que, somadas às 27 prisões de 1555-1557,
totalizam 199 cristãos-novos denunciados nos Açores. Foram gerados 114
processos entre 1557 e 1802, envolvendo 112 pessoas, sendo apenas 26 pela
"heresia judaica". E, destes, somente 10 foram enviados a Lisboa, e
apenas três condenados à morte na fogueira. Os condenados à pena capital foram:
Leonor Marques, em 1584; António Borges, em 1559 e Maria Lopes, em 1576.
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