José Xavier Mouzinho da Silveira nasceu em Castelo de Vide a 12 de Julho de 1780 e faleceu em Lisboa a 4 de Abril de 1849. Foi um estadista, jurisconsulto e político português e uma das personalidades maiores da revolução liberal, operando, com a sua obra de legislador, algumas das mais profundas modificações institucionais nas áreas da fiscalidade e da justiça. Preso durante a Abrilada, tornou-se intransigente defensor da Carta Constitucional pelo que teve de se exilar em 1828. Regressou ao Parlamento em 1834 para defender a sua obra legislativa, mas exilou-se de novo em 1836. Retirou-se da vida política durante os seus últimos dez anos de vida.
Uma parte importante da reforma do sistema político e económico levada a cabo por Mouzinho da Silveira foi feita durante a permanência nos Açores de D. Pedro IV e da Regência. Se muitas das medidas são de carácter geral, muitas são específicas e tiveram uma particular incidência nas ilhas.
As medidas tomadas mereceram a gratidão do povo açoriano, particularmente dos agricultores que se viram livres dos entraves resultantes dos morgadios. Particularmente beneficiada foi a população da ilha do Corvo, que ainda hoje recorda a libertação do jugo feudal a que estava submetida através do pagamento de um pesado tributo ao donatário da ilha. Conhecendo essa gratidão, Mouzinho da Silveira incluiu no seu testamento a seguinte cláusula:
“ Quero que o meu corpo seja sepultado no cemitério da ilha do Corvo, a mais pequena das dos Açores, e se isto não puder ser por qualquer motivo, ou mesmo por não querer o meu testamenteiro carregar com esta trabalheira, quero que o meu corpo seja sepultado no cemitério da freguesia da Margem, pertencente ao concelho de Gavião; são gentes agradecidas e boas, e gosto agora da ideia de estar cercado, quando morto, de gente que na minha vida se atreveu a ser agradecida."
A gratidão de que Mouzinho da Silveira fala no seu testamento chegou viva aos nossos dias. Passados mais de 150 anos sobre a sua morte, e apesar de ter sido sepultado em Margem, Gavião, e não na ilha do Corvo, o único estabelecimento de ensino daquela ilha, a Escola Básica Secundária Mouzinho da Silveira, perpetua o nome do estadista que, por Decreto promulgado em Ponta Delgada a 14 de Maio de 1832, soube acudir à miséria e opressão em que viviam os corvinos.
Mouzinho da Silveira, então Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Fazenda e Ministro interino dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça por aquele diploma reduziu substancialmente, em resultado de uma representação que lhe dirigiram os habitantes do Corvo, o pagamento a que estes, tal como os habitantes de algumas freguesias da ilha das Flores, estavam obrigados a fazer anualmente ao donatário, aliviando assim um jugo que conduzia à fome e miséria generalizadas naquelas ilhas.
Não há texto sobre a história do Corvo que não refira o papel de Mouzinho na libertação da ilha do aforamento, mas foi Raul Brandão, em As Ilhas Desconhecidas, quem melhor soube captar as memórias que ainda aquando da sua visita ao Corvo, em 1924, perduravam na tradição oral dos corvinos:
À noite vêm conversar comigo à casa onde durmo. A luz é escassa: ficam à frente o Hilário, o Cabo do Mar, uma ou outra mulher e, ocultas na sombra, fisionomias que, quando se aproximam da candeia, ressaltam cheias de relevo e carácter: a boca que quer falar, a mão que reentra logo no escuro… Todas têm um ar de família. O senhor Manuel Tomás, de setenta e cinco anos, barba grisalha e curta, olhos pequeninos e já velados pela névoa da idade, um dos grandes proprietários da ilha, conta-me o Corvo de outros tempos:
— Fome! muita fome! … A ilha andava avexada: pagava quarenta moios de trigo e oitenta mil réis em dinheiro ao senhorio de Lisboa. A gente — inda me lembro — andava vestida com umas ceroulas compridas, por cima um calção de lã, tingido de preto com mantrasto e uma jaqueta aos ombros, a barba toda e uma carapuça na cabeça. Não havia lumes. O lume conservava-se nas arestas do linho e quando sucedia apagar-se iam-no buscar à alâmpada da igreja … Fome! Muita fome! O mais que se comia era junça, uma planta que dá uma semente pequena debaixo da terra, de que se alimentam os porcos.
— Moía-se nas atafonas e fazia-se farinha e bolos… Às vezes trocava-se uma terra por um bolo de junça. Fome!
Em Maio vieram do Corvo à Terceira os ilhéus mostrar ao filósofo o pão negro que comiam, e pedir protecção ao tirano. Era uma cena antiga: parecia uma das velhas repúblicas da Grécia, e Mouzinho de facto um Licurgo, um Sólon, com doutrinas, porém, opostas às dos antigos. No pão negro dos ilhotas do Corvo, escravizados pelas rendas do donatário da ilha, viu o ministro um verdadeiro crime, e a teoria que o dominava embarcou-o em conclusões temerárias. Só reduzia a metade, não abolia o foro; mas acrescentava: — Vão passando os tempos em que se entendia que a terra tinha um valor antes de regada com o suor dos homens, nem é possível o contrário quando a broca da análise vai penetrando o mundo. — Portugal Contemporâneo — Oliveira Martins.
O pão era o de junça.
Está gente de pé à porta. Escutam da cozinha, e lá para o fundo da sala há outros atentos na sombra que remexe. — Muita fome! E as mães diziam: — Deixa-me guardar este bolinho de junça para os meus meninos comerem pelo dia fora! — Exclama um tipo curioso de mulher com a pele lívida revestindo-lhe os ossos, uma fisionomia cheia de expressão e os olhos cobertos por uma membrana tão fina como a película dum ovo. E continua: — Chegavam a comer raízes de fetos… E saiba o senhor que o grande erro deste mundo vem de um engano de S. Pedro. Nosso Senhor disse-lhe um dia: — Pedro, vai fora da porta e diz ao mundo: — O pobre que viva do rico. — Mas S. Pedro chegou à porta, enganou-se e disse: — Ouçam todos que têm ouvidos para ouvir — o rico que viva do pobre!…
Não foram apenas os corvinos que beneficiaram da curta passagem pelos Açores de Mouzinho da Silveira. A capacidade legislativa do Ministro, e a circunstância de o poder estar sediado nos Açores, criou as condições necessárias para uma vasta reforma legislativa cujas consequências ainda hoje se sentem. Há quem considere que a relativa equidade social existente em algumas ilhas dos Açores, em particular na ilha Terceira, em contraste com a de S. Miguel onde o diploma não teve aplicação generalizada, tem as suas raízes no Decreto de 4 de Abril de 1832, promulgado em Angra sob proposta de Mouzinho da Silveira, que extinguiu os morgadios, capelas e vínculos de menor dimensão.